A origem
Há algumas décadas, para se montar uma operação varejista bem sucedida eram necessários, entre outras coisas, algum capital, tino comercial, um ótimo ponto, bons produtos e serviços, além de muitos tijolos, cimento e massa corrida.
Colocar uma operação de varejo no ar era, de longe, muito mais difícil e diferente de nossa atual e mais confortável realidade tecnológica.
Muitos anos de varejo se passaram e, ainda naquele tempo, já viviam-se alguns processos de inovação compatíveis com o momento.
As lojas de rua, por exemplo, foram pouco a pouco perdendo sua independência e um importante espaço para os grandes shoppings — os “marketplaces” da época que, de maneira física, passaram a facilitar a vida das pessoas de uma determinada região, reunindo toda as suas necessidades de consumo em um único local.
A ascensão dos preparados
Em seu primeiro grande “boom” nos anos 90, a internet, sob uma ótica comercial, foi vista como uma grande oportunidade para a criação de um novo canal de vendas diretas ao consumidor.
Quem não se lembra do conceito “On Demand” criado pela IBM e reconhecido como um dos primeiros movimentos orientados à transformação digital?
Acertando em cheio e agradando aos simpatizantes do desenvolvimento sustentável, a interessante promessa naquele momento era o da criação de uma nova versão digital de negócios já existentes, os chamados “e-Business”, pela própria IBM.
O conceito demonstrou-se oportuno, porém limitado a algumas poucas empresas realmente preparadas para tal transformação.
As que possuíam um viés mais tecnológico ou melhor se prepararam, criaram diferentes soluções próprias e respostas de mercado, tirando proveito dessa oportunidade e inicializando a sua independência digital.
Vale lembrar que, quem não se preparou, depende até hoje da utilização de serviços oferecidos por empresas terceiras intermediadoras que estavam melhor preparadas na época. Fato este que permitiu o surgimento de alguns gigantes tecnológicos, oferecendo diferentes serviços digitais também para a cadeia varejista, a exemplo dos grandes marketplaces que temos no país e pelo mundo a fora.
Estes, não limitando-se a questões de infraestrutura tecnológica, desenvolveram-se também em outras competências necessárias para a sua independência no novo varejo digital — “trust by design”, tecnologia da informação, logística e marketing digital foram aprimorados, chegando a uma efetividade operacional ímpar, independentemente de suas atuais pequenas margens de contribuição.
O mercado das intermediações digitais
Com enorme crescimento nas últimas duas décadas, as operações mais preparadas, passaram a oferecer sua efetividade ao mercado concorrente. Obtendo em troca um “cut” das vendas de seus oponentes menos preparados, consolidaram assim o conceito dos ‘marketplaces digitais’.
Em tempos de surgimento da primeira empresa privada da história a alcançar um trilhão de dólares em valor de mercado (Apple Inc. em 2018), outras operações foram igualmente bem sucedidas repetindo a metodologia da intermediação efetiva.
A Microsoft dominou seu mercado atingindo a marca de mais de 900 milhões de dispositivos rodando seu sistema operacional, o Google conquistou uma enorme fatia da verba de publicidade mundial antes investida em veículos ditos mais tradicionais e a própria Apple, que intermediou desenvolvedores de aplicativos e consumidores criando uma das primeiras e mais lucrativas “app stores” do mundo.
Temos ainda, alguns interessantes exemplos tupiniquins que também chacoalharam seus mercados.
O Buscapé, que intermediou precocemente o mercado digital do e-commerce brasileiro, gerando tráfego e efetividade a grandes e pequenos varejistas desde junho de 1999, a Easy Táxi, precursora brasileira na intermediação de corridas de táxis e o iFood intermediando as vendas e os serviços de delivery do mercado de restaurantes, entre muitos outros possíveis exemplos.
A importante conclusão aqui, é que coletar e aprender com os dados de seus mercados, permitiu que essas operações tirassem proveito das ineficiências de seus segmentos.
Assim entenderam como atuar de forma mais independente e eficiente que seus concorrentes, passando também a oferecer e a abrir seus serviços a todo o ecossistema, inclusive aos seus competidores.
A democratização das tecnologias
Devido a constante ‘comoditização’ da tecnologia, as barreiras para a evolução tecnológica das empresas tornaram-se cada vez menores, e uma revolução na democratização das mesmas começou a acontecer em todo o universo digital.
21 anos atrás, a tecnologia que construíu o primeiro site de e-commerce expressivo do Brasil, o Submarino, custou mais de 1 milhão de dólares, sendo que hoje, por conta desta mesma ‘comoditização’, pode-se comprar tecnologia infinitamente superior por módicos 10 dólares.
Estamos vivendo agora uma nova era, onde a independência destas intermediações, não somente é possível como também necessária.
O desequilíbrio causado pelo abuso de alguns players do mercado digital varejista que, não somente começaram a intermediar as vendas de seus clientes como também passaram a tentar se apropriar de outros momentos das cadeias produtivas, tornaram esta, uma relação tóxica e insustentável para muitos de seus supostos aliados.
Seduzidos pelo conhecimento adquirido, muitos destes players passaram a atuar em outras etapas adicionais à venda como, na segurança e infraestrutura, nos meios de pagamento, na logística e entrega e, em alguns casos mais extremos, na criação de marcas próprias nos mesmos segmentos de seus parceiros, a exemplo de plataformas de ‘delivery’ que criaram suas próprias cozinhas ou até mesmo a Amazon que domina hoje 1/3 do mercado online global de pilhas por meio de sua marca própria.
Alguém sabe melhor do que ela, como, quando, por quanto e quantas pilhas serão vendidas no próximo par de horas?
A Independência Digital
Independência ou morte! Quando em 7 de setembro de 1822, as margens do Riacho do Ipiranga, D. Pedro I proferiu esta famosa frase, já profetizava a iminente necessidade de independência que o varejo viveria quase dois séculos depois.
Posicionar a presença digital de seu negócio, sua divulgação e suas vendas de forma 100%dependente de terceiros intermediadores, parece trazer a, médio e longo prazos, a morte financeira de sua operação, ainda mais em tempos de consumidores cada vez mais digitais.
Se observamos sua nova jornada mais digital e os dados gerados por seus novos comportamentos de consumo, estes mesmos consumidores, indicaram e continuarão indicando as constantes necessidade de aprimoramento dos canais varejistas — a exemplo da atual “guerra” pelas lideranças nos diferentes nichos de ‘delivery’.
Vale ainda lembrar que, assim como diferentes consultorias globais já constataram, o real potencial dos serviços de entrega só será descoberto quando as startups deste mercado esgotarem os subsídios dados ao consumidor por meio do dinheiro de seus investidores.
Não caberia aqui a oportunidade de nossa autorreflexão quanto a importância da independência do mercado varejista na geração de seus próprios canais de vendas diretas e de seus serviços de entrega?
Como “nasci” como uma operação física de tijolos, cimento e massa corrida devo insistir em uma baixa auto-estima digital e continuar terceirizando as tendências “irrevogáveis” de meu mercado às novas empresas do setor ou devo buscar a minha independência digital?
Os questionamentos são inúmeros, mas o novo comportamento já está aí, uma infinidade de atuais estatísticas demonstram que cerca de 97% de todas as compras do varejo físico são precedidas por uma busca em diferentes canais digitais.
Independente digital ou não, afinal, quem você deseja ser? O Dono de seu negócio ou o fornecedor de seu concorrente?
Claudio Roca é diretor-geral da NerdMonster Digital Retail